Este café não está tão bom quanto antes

Papo Café - Ricardo Sousa

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Quando estou na cafeteria, acho muito interessante ver a reação das pessoas ao beber seu café. Tem todo tipo de gente. Alguns que já são familiarizados com aquele café, provam a xícara e dão aquele sorriso inconsciente com o canto da boca, com expressão de conforto. Outros, mais sabidos, provam e erguem os olhos para cima, procurando identificar as  notas aromáticas. Há aqueles que estão tão ocupados, que bebem na xícara sem saborear, no entanto ainda assim estão lá tomando um cafezinho para dar aquela energizada no dia. Todavia, os melhores de se observar são aqueles que se tomam, pela primeira vez, um gole de café especial. A reação é unânime, de surpresa, choque, de incredulidade de que aquilo que eles estão bebendo é realmente café e ao mesmo tempo uma bebida equilibrada, doce, cítrica, e não tão amarga. O barista precisa ter cuidado para não exagerar na medida e entreguar um café demasiadamente exótico. 
 
O ato de beber café tem, além da intenção de saborear a bebida, uma forte conexão afetiva e habitual. Ou seja, quem bebe o café espera sentir aquilo que ele sempre degustou a vida inteira, muitas vezes desde a infância: o sabor do café tradicional. Quando isso não acontece, o resultado será de surpresa, mas também de frustração. É por isso que existe o que chamamos de café de entrada. É aquele café que já tem uma classificação de café especial, porém ao mesmo tempo, ele tem um sabor que vai remeter à lembrança do café tradicional. Esse resultado, muitas vezes, é alcançado através da torra intencional levemente mais escura, deixando o café mais encorpado e com uma finalização um pouco mais amarga. 
 
Caso alguém prove, logo de primeira, um café especial muito exótico, com aromas florais, frutados, cítricos etc, provavelmente irá perceber somente um café fraco, pois não encontrará o amargo do qual estava acostumado, ou algumas vezes pensará que nem é café. É provável que ele ainda não tenha o paladar para conseguir entender a qualidade daquela bebida. O mesmo que acontece, muitas vezes, com as cervejas especiais e com o vinho. Uma pessoa que só bebeu vinhos suaves se chocaria ao degustar um vinho uruguaio de tannat, mesmo este sendo de ótima qualidade, ou um indivíduo que toma uma cerveja IPA, sendo antes só acostumado às pilsens. O paladar é um sentido que se desenvolve aos poucos. Não raro vejo pessoas provando cafés cada vez de melhor qualidade e mais pontuados, e entendendo gradativamente mais sobre o que estão consumindo, até que um dia tomam novamente aquele café, o mesmo tipo do responsável pela conversão do sujeito ao café especial e reclamam: este café não está tão bom quanto antes. – Não, meu amigo, o café é o mesmo, foi você quem mudou.